terça-feira, 20 de outubro de 2009




CARLOS SOLANO

Segredos da harmonia
Aconteceu assim: o Buda, sem dizer uma única palavra, mostrou uma flor à multidão. E assim fez o Sermão da Flor. Qual o enigma? Talvez lembrar que a harmonia, tão presente nas formas da natureza, precisa retornar à vida do homem. A harmonia das proporções, das cores e das formas afeta a escala e a percepção de um lugar. A harmonia do lugar eleva o coração humano.
Nas proporções
No geral, o laço afetivo que nos liga às coisas não persiste acima ou abaixo da “escala humana”, ou seja, nos identificamos com o que é proporcional ao tamanho de nosso corpo. É difícil se afeiçoar a um minúsculo inseto ou a um gigantesco arranha-céu, que estão além de nosso campo perceptivo normal. Muito abaixo da escala humana, o objeto pode nos ser indiferente e, muito acima, pode se tornar opressor. Nesse último caso, existem exceções: a imensa catedral não nos oprime, pois costuma dispor de um espaço aberto a seu redor, de onde é possível contemplá-la. Além disso, cumpre um sentido espiritual: faz o elo simbólico da cidade com o céu. A altura do lugar influi nas sensações de aconchego e intimidade, mais do que na de profundidade ou largura. As situações íntimas requerem tetos mais baixos; as menos íntimas, regulares; as de cerimônia, tetos elevados. A bucólica casinha da roça nos é agradável por sua pouca altura, ou escala humana. As crianças gostam muito de lugares adequados a seu tamanho, cantos onde podem recolher-se na imaginação.
Nas cores
Colorir é avivar, ou tornar expressivo e brilhante. Muitos temem a cor, têm medo de errar e fazem uma casa, muitas vezes, sem graça. Na hora da pintura, escolha, corajosamente, entre cores “avançadas” (vermelho, laranja e amarelo tornam as paredes mais próximas e densas, nos ligam à terra) e “recuadas” (verde e azul tornam as paredes mais distantes e leves, nos ligam ao céu).
Algumas cores possuem um significado universal: o vermelho é a cor do sangue e sangue é vida. Branco é luz, leite (união de mãe e filho) e sêmen (união do casal). Preto traduz sombra e terra fértil. Para a pedagogia Waldorf, que se baseia numa visão espiritual do ser humano, a cor ideal para a criança pequena é o rosa da flor de pêssego. Esse seria o tom vivenciado no ventre materno. Ou, então, o vermelho, usado em detalhes. Quanto menor a criança, mais quente seria a sua cor; quanto maior, mais fria. Aos 8 anos, indica-se o laranja; aos 9, o amarelo; aos 10, o verde; para o adolescente, o azul.

Nas formas
Com relação às formas, existem dois extremos: o retângulo, rígido, criado pelo intelecto do homem, e as formas naturais, sinuosas. A forma ideal para a casa do homem parece ser a intermediária. Por isso, na moradia, a reta e a curva podem complementar-se, criando ambientes de contorno irregular. Pode-se ainda arredondar ou ocupar os cantos das paredes, compondo um espaço mais envolvente, que teria uma relação direta com o corpo e o conforto humanos. O princípio oriental da não-ação, ou do “mover-se de acordo com o fluxo das coisas”, consiste em fazer curvas em vez de ângulos e está presente no paisagismo chinês. Em um ambiente de formas mais livres, temos percepções mais ricas e profundas da vida e de nós mesmos.
Nos detalhes
“Deus mora nos detalhes”, diz o ditado. Aberturas grandes ampliam o espaço pequeno e criam vinculação com o entorno. Janela de quina, que se posiciona na esquina formada por duas paredes, também dilui os limites do lugar. A janela alta olha o céu e reforça o fechamento e a proteção. Nos espaços pequenos os móveis podem ser grandes e confortáveis... se reduzirmos a quantidade – esse é o segredo.
Na vida
A harmonia do lugar desperta uma outra flor, que habita o coração humano. “Dentro de mim, sei que existe, oculta, uma rosa branca. Incólume rosa. E branca!”, escreveu o poeta amazonense Thiago de Mello. Certas emoções negativas não encontram mais apoio no lugar em que vibra a harmonia. Teriam sido essas as mensagens do Buda e de sua flor?
fonte: Aqui

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